Carta ao Vice-Reitor da Universidade do Minho Dr. José Mendes
Exmo. Sr. Dr.
Não tenho o grato prazer de o
conhecer, mas contudo vou tomar a ousadia de lhe escrever esta carta,
não pelo correio, mas usando o meio mais simples actualmente que é o meu
blogue e o meu perfil de facebook. Quiçá a sorte não me protege e V.
Exa. terá acesso à mesma.
Após justificar o meio, deixe por favor que me apresente.
Chamo-me
Fernando, fui, sou e serei eternamente um académico, para V. Exa. um
"praxista". Tenho 49 anos, sou pai de duas filhas, uma delas já
estudante Universitária na Universidade do Porto. De modo a descansar V.
Exa. dir-lhe-ei ainda que não estou na "praxe", sendo até "non-gratu"
na Praxe do Porto.
Agora que minimamente já me conhece, é meu dever justificar o porquê desta missiva.
Li
com muita atenção o artigo de opinião que V. Exa. escreveu no Jornal de
Noticias de 08 Setembro de 2013, ou seja, ontem. Estou ciente que é um
artigo de opinião e como tal é livre já que felizmente estas ainda não
pagam impostos. Após a leitura cuidada, senti necessidade de escrever a
V. Exa. para poder fazer-lhe chegar também umas simples ideias de um
mero veterano, ainda por cima um "non-gratu" das Tradições Académicas.
Durante
os anos que participei em Tradições Académicas, nunca humilhei, nunca
me senti humilhado, nunca pratiquei nem deixei praticar na minha
presença qualquer acto que fosse passivel de ser considerado atentado
contra quem quer que fosse. A prova caro Sr. Dr. é que ainda hoje
juntamos os antigos estudantes da minha Faculdade, uns que "praxei",
outros que me "praxaram" e para grande espanto dos "anti" deste país a
emoção, a amizade, a camaradagem, a felicidade de nos revermos é tanta
que tenho a certeza todos nós teremos o maior prazer em o convidar a
participar no próximo Encontro de Antigos Alunos de Letras de modo a que
V. Ex. possa confirmar com os próprios olhos a veracidade desta
afirmação.
Tal como V. Exa. também eu não gosto particularmente
dos palavrões que se ouvem nas praxes, mas gostaria de lhe dizer que a
culpa é talvez do grau de educação que aos poucos se vai degradando, não
só nas "praxes" mas na Sociedade em geral. A começar pelos governantes.
Tal como V. Exa. nem eu, nem os Orgão de Tradições Académicas
desresponsabilizam os académicos que cometem erros, quiçá até sejam bem
mais justos que os que nos governam uma vez que estes desresponsabilizam
sempre os "amigos" que escolheram. É verdade sr. Dr., na Tradição
Académica fazemos amigos, não é obrigatório estar na Tradição para fazer
amigos, mas que ajuda, ajuda.
Diz no artigo V. Ex. que: "...
Gostei de ser praxado quando joguei futebol, onde não existiu hierarquia
nem punição. Gostei de ser praxado quando servi como militar, onde
existiu hierarquia mas ninguém me ofendeu... ".
Sabe, por acidente
V. Exa. quantas queixas existem sobre as "praxes" militares, ou sobre
as praxes no Desporto? É que são muitas. Contudo, não consigo ver
artigos contra elas em dia de cada nova incorporação de militares, ou de
inicio de época de cada Clube.
A Tradição Académica é um modo de
vida perfeitamente igual a outros modos de vida que por aí proliferam.
Uns gostam de Futebol, eu pessoalmente não gosto. Uns querem mudar o
Mundo com a politica, outros como eu acreditam que ensinar regras de
educação, de urbanidade, de camaradagem, de solidariedade são modos de
conseguir mudar o mundo para melhor. Saiba V. Exa. que todas as regras
de Tradição Académica têm um fundamento pedagógico, é necessário é que
não se seja "carneiro" e se procure onde estão.
No seu artigo fale
em pintura de caloiros. Não sei a realidade da U.M. mas na minha
Academia as pinturas estão proíbidas pelas Tradições Académicas desde
1990. Isto para evitar problemas de pele e porque "o Baton é posterior à
Tradição Académica".
Quando às sugestões que V. Exa. oferece no
seu "Utilis Praxis,Sed Praxis", convém explicar-lhe algo que penso V.
Exa. não está ao corrente.
É uma das maiores regras de Tradição
Académica a Solidariedade. Caso V. Exa. não saiba, é tradicional os
Académicos se apoiarem nas actividades e mesmo em oferecer "trajos
académicos" aos colegas que embora o querendo não têm possibilidades de o
comprar. Já agora com uma caracteristica muito especial, existe um
certo "secretismo" na situação porque estes seres de "sorriso sedente,
quase ameaçador" têm alguns conhecimentos de vida que não os deixa
permitir que colegas sejam discriminados por condições economicas.
Saberá
V. Exa. que é Tradição Académica existir na semana de "recepção ao
caloiro" e na "queima da fitas", na U.M. também, um "Dia de
Beneficiência" em que os estudantes dedicam-se a fazer um peditório para
instituições que necessitam? Contudo, a Ideia de distribuir comida
pelos "sem-abrigo" é uma excelente ideia, que só não proponho que se
faça no Porto, porque me encontro "fora da praxe" como anteriormente
informei V. Exa, contudo penso que seria de maior utilidade ter atenção e
apoiar os colegas que para estudar passam fome, como se vai fazendo,
porque as propinas são demasiado elevadas.
Quanto à ideia de
"cortar relva no Campus" penso que também é uma ideia genial, pena é vir
de um elemento de uma Reitoria que mandava identificar os estudantes
trajados que se abeiravam de um colega para o ajudar a matricular, coisa
que também é tradicional entre as Tradições Académicas. Como será
possivel aos meus colegas da U.M. levarem a efeito a ideia de V. Exa. se
não podem chegar sem serem identificados aos colegas "caloiros".
Sabe
Sr. Dr., tenho esta ideia desde à muitos anos. Os maiores culpados das
graves situações que infelizmente vão acontecendo por aí é das Direcções
das Faculdades e das Reitorias. Eu sei que isto é um bocado forte mas
deixe que me explique. No meu tempo de caloiro e até veterano, as Praxes
eram levadas a efeito dentro das Instituições. Logo era muito mais
fácil que fossem controladas quer pelas direcções quer pelos Veteranos
de cada Instituição. Os exageros eram assim travados mal alguma ideia
fora do normal surgia. Agora que V. Exas. decidiram proibir as suas
práticas nos "Campus", o que acontece é que elas são levadas a cabo em
vários locais, o que torna impraticável a supervisão dos "anciãos" às
mesmas.
Não é possível que V. Exas. que assistem aos Cortejos das
Queimas das Fitas, ou do "Enterro da Gata" no caso, tenham a ousadia de
pensar que aquela quantidade enorme de Jovens é toda um bando de "gente
que não sabe o que faz", ou que "é maluca para andar naquelas coisas a
ser humilhada", ou mesmo para chorar copiosamente abraçados uns aos
outros e aos seus doutores no final de cada cortejo.
Eles choram
Sr. Dr. porque sabem que são um. Eles choram Sr. Dr. porque sabem que as
atenções e o carinho que durante um ano receberam dos mais velhos acaba
naquele momento. Eles choram Sr. Dr. porque não têm a certeza se serão
capazes de dar aos outros o que a eles foi dado. Eles choram Sr. Dr.
porque não são Veteranos, se o fossem tinham a certeza que Tradição
Académica é Vida e Paixão" e que aquelas lágrimas já são uma primeira
demonstração da sua Paixão.
Mas sabe, Sr. Dr. a Tradição Académica
tem um enorme problema para resolver. É que cada vez existem mais
académicos e cada vez se torna mais dificil ensinar a viver e sentir o
que é "Ser Académico". Eu já ensinei algumas gerações, agora tenho
reparado como ensinam a minha fillha, e devo-lhe dizer que sinto um
enorme Orgulho em ver a minha filha de "Capa e Batina" a receber
caloiros, e de a ver na Tuna Académica, outro elemento das Tradições
Académicas que V. Exas. infelizmente só se lembram quando vos dá jeito.
Sabe, Sr. Dr. sigo com olhar atento e de "veterano" as praxes que lhe
fizeram e devo afirmar-lhe que estou imensamente grato aos "doutores e
veteranos" que a ensinaram porque consigo ver nos olhos dela não a minha
paixão, porque essa é muito minha, mas a paixão que ela tem pela mesma
Tradição que o Pai tanto defendeu, defende e defenderá sempre que
necessário.
Finalizando gostaria de lhe dizer que no "Dura Praxis
Sed Praxis" sempre esteve incluído o seu "Utilis Praxis Sed Praxis" é
necessário é que se esteja mais Atento.
Um Académico Ad Eternum
Fernando Borges